terça-feira, 20 de setembro de 2011

A verdade, doa a quem doer

Nos próximos dias, a Câmara dos Deputados deve votar o projeto de lei que cria a Comissão Nacional da Verdade. Enviado pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2010, o projeto prevê a apuração das violações aos direitos humanos no período compreendido entre 1946 e 1988 – hiato entre as duas últimas Constituições do País.


A estratégia é aprovar, tanto na Câmara como no Senado, em regime de urgência urgentíssima, ou seja, sem discutir nas Comissões Parlamentares. A discussão do tema mostra que o Brasil evoluiu – e muito – nos últimos anos. E com ele, suas resoluções.

O tema é delicado. Envolve um período da vida nacional, principalmente entre 1964 e 1979, quando foi promulgada a Lei da Anistia, em que o país viveu submerso numa ditadura militar que se caracterizou pela ausência de democracia, pela supressão dos direitos constitucionais, da censura, perseguição política e repressão aos que eram contrários ao regime. A democracia plena só ressurgiu em 1985, com a ruína da ditadura.

Seu efeito mais imediato foi a elaboração de uma nova Carta Magna em 1988. Apesar dos avanços democráticos, algumas cicatrizes deixaram estampadas as marcas de uma ação desumana e cruel: a tortura, a morte e o desaparecimento de centenas de brasileiros. Ainda hoje não se sabe o número exato dessas vítimas, mas certamente somam-se as centenas.

A Comissão da Verdade busca apenas reparar esses erros. Não há qualquer sentido de vingança, de arbítrio ou de caça às bruxas. Aliás, se assim fosse, estaríamos cometendo o mesmo erro às avessas. Mas as famílias e principalmente as vítimas do arbítrio merecem respeito. Segundo a psicanalista Maria Rita Kehl, “o ressentimento não abate aqueles que foram derrotados na luta e no enfrentamento com o opressor, e sim os que recuaram sem lutar e perdoaram sem exigir reparação”. É justamente isso que a Comissão se propõe a fazer a partir de agora.

A experiência brasileira não é nenhuma novidade. Um dos exemplos clássicos deu-se na África do Sul após a queda do apartheid – o regime de segregação racial que vigorou entre 1948 e 1988 e foi definitivamente enterrado com a eleição de Nelson Mandela. A única alternativa para restabelecer a verdade era conhecer os fatos e ouvir dos próprios partícipes suas versões. Na Alemanha, após a queda do Muro de Berlim e a reunificação dos povos, também foi necessário reabrir os arquivos da polícia secreta.

Por certo foram cometidos excessos de ambos os lados. No entanto, nada pode ser mais cruel e torturante diante de um trauma social que o silêncio dos que se dizem vencedores. Restam os filhos mortos de pais vivos; os filhos vivos de pais que nunca se fizeram presentes. É preciso que a verdade venha à tona para, quem sabe, amenizar o sofrimento dos que insistem em conhecê-la.
 
A responsabilidade do Congresso Nacional é da maior relevância. Certamente haverá controvérsias e grandes obstáculos até a conclusão dos resultados da Comissão, cuja função não é julgar, mas coordenar um processo que devolva às famílias nada mais do que a verdade. Ou como diria o poeta Thiago de Mello, “aos que não sabem convém contar; aos que se esquecem, convém lembrar”.
Fonte: Agora Paraná (Por Zeca Dirceu, 33 anos, é deputado federal pelo PT do Paraná*)

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