Nos próximos dias, a Câmara dos Deputados deve votar o projeto de lei
que cria a Comissão Nacional da Verdade. Enviado pelo então presidente
Luiz Inácio Lula da Silva, em 2010, o projeto prevê a apuração das
violações aos direitos humanos no período compreendido entre 1946 e 1988
– hiato entre as duas últimas Constituições do País.
A estratégia é
aprovar, tanto na Câmara como no Senado, em regime de urgência
urgentíssima, ou seja, sem discutir nas Comissões Parlamentares. A
discussão do tema mostra que o Brasil evoluiu – e muito – nos últimos anos. E com ele, suas resoluções.
O tema é delicado. Envolve um período da vida nacional,
principalmente entre 1964 e 1979, quando foi promulgada a Lei da
Anistia, em que o país viveu submerso numa ditadura militar que se
caracterizou pela ausência de democracia, pela supressão dos direitos
constitucionais, da censura, perseguição política e repressão aos que
eram contrários ao regime. A democracia plena só ressurgiu em 1985, com a
ruína da ditadura.
Seu efeito mais imediato foi a elaboração de uma nova Carta Magna em
1988. Apesar dos avanços democráticos, algumas cicatrizes deixaram
estampadas as marcas de uma ação desumana e cruel: a tortura, a morte e o
desaparecimento de centenas de brasileiros. Ainda hoje não se sabe o
número exato dessas vítimas, mas certamente somam-se as centenas.
A Comissão da Verdade busca apenas reparar esses erros. Não há
qualquer sentido de vingança, de arbítrio ou de caça às bruxas. Aliás,
se assim fosse, estaríamos cometendo o mesmo erro às avessas. Mas as
famílias e principalmente as vítimas do arbítrio merecem respeito.
Segundo a psicanalista Maria Rita Kehl, “o ressentimento não abate
aqueles que foram derrotados na luta e no enfrentamento com o opressor, e
sim os que recuaram sem lutar e perdoaram sem exigir reparação”. É
justamente isso que a Comissão se propõe a fazer a partir de agora.
A experiência brasileira não é nenhuma novidade. Um dos exemplos
clássicos deu-se na África do Sul após a queda do apartheid – o regime
de segregação racial que vigorou entre 1948 e 1988 e foi definitivamente
enterrado com a eleição de Nelson Mandela. A única alternativa para
restabelecer a verdade era conhecer os fatos e ouvir dos próprios
partícipes suas versões. Na Alemanha, após a queda do Muro de Berlim e a
reunificação dos povos, também foi necessário reabrir os arquivos da
polícia secreta.
Por certo foram cometidos excessos de ambos os lados. No entanto,
nada pode ser mais cruel e torturante diante de um trauma social que o
silêncio dos que se dizem vencedores. Restam os filhos mortos de pais
vivos; os filhos vivos de pais que nunca se fizeram presentes. É preciso que a verdade venha à tona para, quem sabe, amenizar o sofrimento dos que insistem em conhecê-la.
A responsabilidade do Congresso Nacional é da maior relevância.
Certamente haverá controvérsias e grandes obstáculos até a conclusão dos
resultados da Comissão, cuja função não é julgar, mas coordenar um
processo que devolva às famílias nada mais do que a verdade. Ou como
diria o poeta Thiago de Mello, “aos que não sabem convém contar; aos que
se esquecem, convém lembrar”.
Fonte: Agora Paraná (Por Zeca Dirceu, 33 anos, é deputado federal pelo PT do Paraná*)
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