domingo, 11 de setembro de 2011

O 11 de setembro dez anos depois

 
Os Estados Unidos cometeram erros no combate ao terrorismo, mas não podem se dar ao luxo de baixar a guarda

Enquanto os Estados Unidos se preparam para o décimo aniversário dos ataques que atingiram as torres gêmeas do World Trade Center e o Pentágono, os eventos de 11 de setembro de 2001 ainda estão moldando a história. A retaliação do país contra a Al Qaeda durante a última década tem sido incansável, e sob muitos aspectos, bem-sucedida. 


Mesmo antes dos militares norte-americanos matarem Osama bin Laden, em maio, os Estados Unidos haviam destroçado sua organização. Centenas de pessoas foram capturadas e mortas, e muitos planos perigosos de atentados foram interrompidos. A Al Qaeda ainda mantém uma presença perigosa no Iêmen e em outros países, mas após uma década de coleta de informações, contra-ataques e medidas defensivas, os Estados Unidos parecem bem menos vulneráveis do que no dia 10 de setembro de dez anos atrás.

Por outro lado, se Bin Laden ainda estivesse vivo e fizesse uma retrospectiva da última década, ficaria bem satisfeito. Embora não tenha criado o califado com o qual sonhava, uma de suas metas mais famosas era levar os Estados Unidos a “guerras sangrentas” nos países muçulmanos, e nisso, ele foi bem sucedido. Mais de 6 mil soldados norte-americanos e muitos soldados de seus aliados morreram no conflito, que – de acordo com um projeto da Brown University que analisa os “custos da guerra” – deixou cerca de 137 mil civis mortos no Iraque, Afeganistão e Paquistão, e criou cerca de 7, 8 milhões de refugiados nesses países. De acordo com o estudo, o custo final das guerras chegou a US$ 4 trilhões – equivalente ao déficit orçamentário cumulativo do país entre 2005 e 2010.

Pequenos avanços

Os Estados Unidos têm pouco para justificar esse sacrifício além da dissolução da Al Qaeda. O Iraque está numa situação melhor do que no auge dos massacres sectários que sucederam a invasão norte-americana. Mas em um único dia, a Al Qaeda foi capaz de realizar 42 ataques por todo o país. E quando os últimos soldados deixarem o país no fim do ano, deixarão para trás uma nação que não é nem um amigo próximo (o governo de Nuri al-Maliki parece mais inclinado para o lado do Irã) nem uma democracia plena. É verdade que a queda de Saddam Hussein deu fim a uma ditadura, não apenas a um ditador. 

Os novos líderes do país dizem ser democratas, e o Iraque realiza eleições constantes. Mas os políticos ainda precisam demonstrar o devido respeito pelos direitos das minorias e uma disposição para deixar que a população os retire de seus cargos por meio do voto.
Primavera

A democracia chegou à região recentemente por meio da Primavera Árabe, o que, até agora, representa um repúdio à doutrina da Al Qaeda, e pode ser bom para o Ocidente e para os árabes – desde que os jihadistas não tomem conta da primavera democrática uma vez que chegue o outono. Mas o Ocidente não pode reivindicar crédito pelas transformações, que certamente não foram motivadas pela invasão do Iraque. A maioria dos árabes se opôs à invasão, classificou o novo governo iraquiano como “um fantoche”, e rejeitou o “plano de liberdade” de George W. Bush. O poder popular só se manifestou na Tunísia, no Egito e no resto da região quase uma década depois, e essa demonstração foi decorrente de frustrações e insatisfações locais, e não da intervenção norte-americana.

No caso do Afeganistão, os Estados Unidos conseguiram atingir suas metas principais de perseguir a Al Qaeda e derrubar o Talibã. Quando os dois grupos formaram novas bases no Paquistão, a CIA também levou o conflito ao país. Mas a insurgência Talibã ainda não foi totalmente eliminada, e ninguém sabe responder por quanto tempo o governo de Cabul patrocinado pelo Ocidente sobreviverá à saída planejada das forças da Otan em 2014.

Enquanto isso, o preço de levar a Al Qaeda à beira da derrota estratégica tem sido a possibilidade da criação de um novo perigo. Ao perseguir os jihadistas no Paquistão, os Estados Unidos ajudaram a desestabilizar uma país paranoico com uma população de mais de 190 milhões de muçulmanos e com um arsenal de armas nucleares. Os Estados Unidos não são os únicos culpados: o Paquistão fez jogo duplo, aceitando dinheiro norte-americano com uma mão, enquanto acolhia jihadistas com a outra. Seus espiões certamente sabiam o paradeiro de Bin Laden, o que explica a decisão de Obama de enviar militares sem permissão prévia. Desde então as relações se estremeceram. 

Mas mesmo antes da operação, os paquistaneses já viam os Estados Unidos muito mais como inimigos do que como parceiros. O território norte-americano pode estar mais seguro que há dez anos, mas sua posturas estratégica se deteriorou no espaço entre o Oriente Médio e o Sul da Ásia, e piorará imensamente se o Iraque cair nas mãos dos mulás ou se o Paquistão implodir.

Mexendo com a mente do islã

A Al Qaeda não apenas envenenou as relações entre os países, mas também as mentes. Nos países muçulmanos utilizados no recente estudo do Pew Global Attitudes Project, a maioria das pessoas se recusa a crer que os responsáveis pelos ataques de 11 de setembro eram árabes. O estudo mostra que o mundo muçulmano e o Ocidente ainda se veem como fanáticos violentos. Para os muçulmanos, os ocidentais são imorais e gananciosos – e responsáveis pela pobreza dos muçulmanos. Uma paz na Palestina com apoio norte-americano ajudaria a ganhar alguns corações amargos, mas Bush nunca buscou a paz com muito afinco, e mesmo com seus discursos impecáveis, a diplomacia de Obama terminou em humilhação. Uma pesquisa do Arab American Institute mostrou que a popularidade dos Estados Unidos no Mundo Árabe agora é menor do que no fim da gestão de Bush.

O veneno também chegou ao país. Alguns norte-americanos esperavam, depois que muçulmanos britânicos colocaram bombas no metrô de Londres em 2005, que o jihadismo doméstico ficaria confinado à “Eurábia”. Eles estavam errados. Embora as pesquisas mostrem que a vasta maioria de muçulmanos nos Estados Unidos são cidadãos leais, pouco propensos a apoiar ataques sangrentos contra civis, a jihad continuará a conquistar alguns. Em 2009, um muçulmano baleou colegas de quartel no Fort Hood, no Texas, e no ano passado, um novo imigrante paquistanês tentou detonar uma bomba na Times Square, em Nova York.

Esse e outros planos alimentaram a intolerância. Depois do 11 de setembro, Bush deixou claro que os Estados Unidos não estavam em guerra com o islã. Os republicanos de hoje são bem menos responsáveis. Newt Gingrich, que concorre à indicação presidencial se juntou a uma campanha para interromper a construção de um centro islâmico e uma mesquita no sul de Manhattan. Muitos outros repercutiram as afirmações absurdas de que a lei da sharia está se infiltrando no sistema legal norte-americano. Em partes da Europa, as relações são muito piores. Foi o medo de um tomada islâmica que parece ter motivado Anders Behring Breivik a matar 77 de seus conterrâneos na Noruega, em julho.

Esticando o Ocidente

Imediatamente após o 11 de setembro, a maior parte dos aliados expressou solidariedade com os Estados Unidos. Ainda assim, a última década deteriorou a coesão ocidental. O propósito da Otan foi questionado antes do 11 de setembro, após o colapso da União Soviética. A princípio, a queda das torres gêmeas deu à aliança um novo sopro de vida. Promovendo a defesa coletiva, a Otan se juntou à guerra no Afeganistão. Amigos especiais da superpotência, como o Reino Unido, e aqueles que sonham em ser amigos especiais, como a Polônia e a Ucrânia, enviaram, voluntariamente, soldados ao Iraque. Mas para a maior parte da opinião pública europeia, a guerra no Iraque sempre foi vista como um exagero, e uma década de cadáveres diminuiu o apetite europeu por campanhas militares ao lado dos norte-americanos.

A Otan sobreviveu ao teste do Afeganistão, e passou por um outro, recentemente, na Líbia, mas ambos expuseram suas fraquezas. Os membros europeus da aliança mantém cerca de 2 milhões de soldados, mas mandaram pouco mais de 30 mil ao Afeganistão. Em apenas 11 semanas de lutas contra Muammar Khadafi, eles ficaram sem munição e precisaram de ajuda dos norte-americanos. O desempenho dos Estados Unidos na Líbia foi um exercício de cautela. Europeus estão cansados de se envolver no que muitos veem como guerras dos Estados Unidos. Norte-americanos estão cansados de uma Europa incapaz de cumprir aquilo que se propôs a fazer.

O desgaste na aliança ocidental coincide com a resiliência e a confiança da Ásia e da América Latina. O renascimento econômico da Ásia já estava encaminhado antes do 11 de setembro, mas a luta contra a Al Qaeda foi uma distração tão grande, que um reequilíbrio dos poderes mundiais foi inevitável. Bush certa vez perguntou a Hu Jintao o que o mantinha acordado à noite. A criação anual de 25 milhões de novos empregos, foi a resposta do presidente chinês. Os pesadelos de Bush envolviam algum novo ataque terrorista. Para manter o país em segurança, os Estados Unidos não apenas travaram guerras em solo estrangeiro, mas também criaram um sistema colossal de segurança e inteligência em seu país. O Washington Post relatou no ano passado que mais de 1200 organizações governamentais e quase 2 mil companhias trabalhavam em programas relacionados ao contraterrorismo, à segurança nacional e à sistemas de inteligência.

Há quem possa afirmar que os Estados Unidos pagaram um grande preço com a perda da liberdade. Retirar os sapatos antes de embarcar em um avião se tornou uma atividade corriqueira. O país não isolou os muçulmanos após o 11 de setembro como fez com os japoneses após o ataque a Pearl Harbor, mas o governo Bush pressionou certas liberdades. O Congresso, os tribunais e um novo presidente eventualmente diminuíram essa pressão, mas não a eliminaram. A prisão de Guantánamo, um símbolo de tudo o que o país não deveria representar, continua aberta, e muitos de seus prisioneiros podem passar o resto de suas vidas confinados, sem nunca ter sido devidamente julgados.

Seguindo em frente

Com o 11 de setembro ocupando seu lugar nos livros de história, os Estados Unidos começaram a seguir em frente. As torres em chamas, as batalhas nas planícies de Tora Bora, as bombas sobre Bagdá, as fotos de prisioneiros torturados em Abu Ghraib: todas essas imagens se tornaram uma especie de fotos em um álbum, relembradas, mas distantes da realidade de hoje. Em Nova York uma nova torre está sendo construída no Marco Zero, e uma série de novos problemas assola o país nos dias atuais. 

O colapso financeiro de 2008 e a subsequente recessão tiveram um impacto mais direto que o terrorismo na vida da população. A eleição de 2012 se concentrará menos na chamada “guerra global contra o terror”, e mais nos impasses de Washington, empregos perdidos, controle de gastos e na dívida crescente. A superpotência de dez anos atrás perdeu sua autoconfiança e agora tem uma chance de se reagrupar. Na sondagem prévia do Instituto Ames no mês passado em Iowa, Ron Paul, um candidato republicano foi celebrado quando pediu o retorno dos soldados.

Os norte-americanos estão ansiosos para cortar seus prejuízos após uma década desastrosa e para deixar de construir nações no exterior, para reconstruir seu próprio país. O instinto de seguir em frente já livrou o país de inúmeras situações no passado, mas isso não deve significar que a guarda deverá ficar baixa. O mundo inteiro sairá perdendo se os Estados Unidos concluírem que não podem mais intervir para resgatar civis em apuros das mãos de ditadores assassinos – mesmo que, como no caso da Líbia, a superpotência “lidere po trás”.

Além disso, a Al Qaeda e seus imitadores ainda são perigosos. Seus planos fracassados foram extremamente ambiciosos. Ainda que a maioria dos muçulmanos tenha rejeitado suas metas fanáticas e seus métodos sanguinolentos, um grupo terrorista não precisa de muitos adeptos para criar o caos. Apenas 19 homens participaram do ataque mais importante da história há dez anos.

Os Estados Unidos precisam estar prontos hoje, já que perigos futuros não podem ser evitados simplesmente com uma declaração de vitória. O país cometeu uma série de erros após o 11 de setembro, e a invasão do Iraque foi o maior deles. Novos desafios de segurança surgirão na próxima década, e aqueles que dizem que o país agiu exageradamente em retaliação não fazem ideia da devastação que os jihadistas teriam causado se os Estados Unidos não os tivessem perseguido nas montanhas do Afeganistão e do Paquistão. 

O segredo nos próximos dez anos é ganhar de volta a confiança dos aliados (especialmente do Paquistão) usar a força de maneira mais esporádica, e tentar concordar sempre que possível com os sentimentos dos muçulmanos ao invés de agir contra eles. Mas não há como trazer de volta a inocência do 10 de setembro de 2001 – e infelizmente, a vigilância terá que ser infinita.

Fonte: Opinião e Notícia

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