domingo, 29 de novembro de 2015

Entrevista com Costas Douzinas aborda sobre educação, revoluções e seus direitos

Entrevista a Costas Douzinas. Filósofo

 Projeto Revoluções - Por que é necessário pensar os direitos humanos hoje a partir de um ponto de vista crítico?

Os direitos humanos parecem ter triunfado no mundo. Eles unem inimigos tradicionais, a esquerda e a direita, o norte e o sul, a igreja e o estado, o ministro de governo e o rebelde. De acordo com os defensores da nova ordem mundial, com a derrota do comunismo, o capitalismo e a democracia de baixo nível são os únicos jogos disponíveis e os direitos humanos são sua nobre ideia.

A celebrada nova ordem mundial tem trazido a ramificação global do agrssivo capitalism global. Sua ascenção conincidiu com a emergência de duas importantes tendências: cosmopolitanismo e o momento pós-político. O cosmopolitismo, uma antiga e nobre filosofia foi ressussitado para dar um rosto humano, para humanizar a propagação catastrófica do neoliberalismo. Isso aconteceu no momento em que a conclusão do processo de descolonização e do aumento do poder do mundo em desenvolvimento criou a perspectiva de uma defesa bem sucedida de seus interesses. A reação ocidental foi a imposição de políticas económicas, culturais, jurídicas e militares que tentam reafirmar a sua hegemonia.

Economicamente, a OMC, o FMI e o consenso de Washington exportaram o capitalismo neoliberal global: estados em desenvolvimento tiveram de abrir o seu setor financeiro, privatizar e desregulamentar e abaixar os níveis de gastos sociais. Estas elites políticas criaram os super-ricos, mas prejudicaram o desenvolvimento.

Se o capitalismo globalizado uniu o mundo econômico e político, estratégias jurídicas e militares vêm construindo um quadro comum simbólica, ideológica e institucionalmente. Seus sinais estão por toda parte. Nas guerras humanitárias, sanções econômicas foram impostas várias vezes para proteger os países e as pessoas de seus maus governos. Direitos humanos e cláusulas de boa governança são rotineiramente impostas pelo Ocidente sobre os países em desenvolvimento como condição para acordos comerciais e de ajuda. Os direitos humanos são a ideologia após o final muito alardeado de ideologias, a utopia “última” após o final da história.
É por isso que precisamos pensar de forma crítica os direitos humanos. Seu triunfo é cheio de paradoxos e contradições. Em nenhum outro momento na história humana recente, fora da Segunda Guerra Mundial, tantas pessoas foram mortas, houve tanta fome, tantos foram torturados, submetidos a dominação e exploração. O fosso entre o Norte e o Sul e entre ricos e pobres nunca foi tão grande. 

As Nações Unidas informaram em 16 de outubro de 2010 que bem mais de um bilhão de pessoas não têm comida suficiente. A expectativa de vida é superior a 80 anos no norte da Europa, enquanto anos na África sub-subsaariana é de 33 anos. A renda per capita anual de um palestino é de $680,00 dólares e de $26,000 dos israelenses. Se os direitos humanos triunfaram, este é um triunfo afogado em desastre.

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O segundo paradoxo é este: como é possível que todas as diferentes perspectivas políticas, religiosas e culturais estejam de acordo sobre os direitos humanos? O conflito que cessou no mundo é a luta de classes e o conflito ideológico aberto? Pois todos nós aceitamos a mesma visão de mundo? Obviamente que não. Isso significa que tanto os direitos humanos não têm nenhum significado comum ou determinado (eles são um estreito conceito indeterminado) ou que são usados ​​para descrever diversos fenômenos, instituições e ideologias. De qualquer maneira, falar de direitos não é o começo do fim do confronto e do conflito. Direitos Humanos é um discurso contestado e uma prática, a forma ideológica na qual algumas das principais clivagens e antagonismos da nova ordem será expressa e travada.

O terceiro paradoxo aproxima-nos das preocupações da filosofia política. Direitos e direitos humanos são, talvez, a mais importante instituição política liberal e que a lei criou. No entanto, a filosofia jurídica e política liberal foi totalmente inadequada para a tarefa de compreendê-lo. A teoria mais avançada liberal recria os conceitos do século 17 como o contrato social (Rawls e a posição original), o estado de natureza (Rawls e o véu de ignorância), o homem natural (auto-reflexivos indivíduos, totalmente no controle de si mesmos) os imperativos categóricos ( Habermas e o discruso ideal e o princípio fundamental do discurso), a paz perpétua (Habermas, Rawls, etc, Giddens e o cosmopolitismo).

Duzentos anos da teoria social e três grandes "continentes" de pensamento não tincomodaram os anais do liberalismo: Hegel, Marx, a dialética da luta, Nietzsche, Heidegger e Foucault, a ontologia do poder, Freud e os pós freudianos, com a sua análise detalhada da psiquê e da subjetividade não existem para os nossos grandes heróis liberais.

É por isso que precisamos de teorias críticas para entender a ação dos direitos humanos. Não pode haver uma teoria dos direitos humanos, a menos que examinemos a genealogia desta idéia (a derivação do cosmopolitismo da lei natural cristã, assim como a secularização da teodicéia), a sua relação com o poder, como expressão do amálgama entre o poder e a normatividade no capitalismo tardio, a menos que nós exploremos a contribuição fundamental que os direitos humanos fazem para a construção da subjetividade, através da legalização e de divulgação do desejo individual.

Meu argumento é que existe uma ligação clara entre o moralismo recente e humanitarismo agressivo, gananciosas políticas econômicas e governabilidade biopolítica. Nacionalmente, a condição pós política e a forma bio-política do poder têm aumentado a vigilância, disciplina e controle da vida. A moral (e direitos) sempre fez parte da ordem dominante, em estreito contato com formas do poder em cada época da história. Recentemente, no entanto, os direitos mudaram, de uma relativa defesa contra o poder para uma modalidade de suas operações. Se os direitos expressam, promovem e legalizam o desejo individual, eles também têm sido influenciados pelo niilismo do desejo. Internacionalmente, o edifício moderno foi prejudicado no momento em que a conclusão do processo de descolonização e do aumento relativo do poder do mundo em desenvolvimento criou a perspectiva de uma defesa bem sucedida de seus interesses.

A crise do modelo econômico nos dá uma oportunidade única de analisar a totalidade do acordo pós-1989. O melhor momento para desmistificar a ideologia é quando ela entra em crise. Neste momento, é garantido, natural, que premissas invisíveis venham à tona e tornem-se objetivadas e possam ser entendidas pela primeira vez apenas como construções ideológicas. Cada tema importante na filosofia política precisa ser revisitado.

Projeto Revoluções -  Como é possível pensarmos em princípios universais dos direitos humanos em uma época de descrença na universalidade dos valores?

Vamos começar fazendo duas distinções analíticas. Primeira: os direitos e os direitos humanos são radicalmente diferentes. Os direitos individuais são edifícios do “Estado de Direito” liberal. Elas derivam da tradição do direito romano e começaram a  tomar conta do direito ocidental por volta do século 13. O direito de propriedade foi historicamente o primeiro, e continua a ser o mais importante, direito do modelo liberal. A segunda distinção é entre a globalização, um fenômeno empírico que pode ser descrito como a penetração mundial do capitalismo neoliberal, e o universalismo ou universalização, que se refere à aplicação de uma regra universal normativa. Hoje, a única regra universalmente aplicável é a do capitalismo globalizado. O universalismo dos direitos permanece em uma relação paradoxal com o capitalismo. Direitos prometem a humanização do capitalismo, mas, ao mesmo tempo, a forma do Direito está contaminada por relações de poder e do capital e, nessa medida, não está completa ou permanentemente livre ou contrária àquilo de que ela supostamente nos protege.

Os direitos humanos, se podemos usar o termo filosoficamente após a desconstrução do humanismo, expressam uma universalidade de fundo, apesar dos melhores esforços de seus dedicados seguidores no Iraque, no Afeganistão e nos guetos de cidades do Norte. Se algo há de específico aos direitos humanos, o apelo prossegue, é que eles são dados às pessoas em virtude da sua humanidade e não do fato de que pertencem a um grupo mais restrito, como a etnicidade, cidadania ou classe. Isso pode levar à conclusão de que os direitos humanos não existem para aqueles que têm apenas a sua própria humanidade para protegê-los: os combatentes “ilegais” na Baía de Guantánamo, os imigrantes que se afogam no Mediterrâneo ou se explodem nos campos minados da fronteira greco-turca tentando chegar à “terra prometida da Europa”, os “humanos descartáveis” dos campos de refugiados, os “sem documentos” do Norte e a população das favelas do sul. Estes restos humanos, o homines sacri da nova ordem mundial, não têm direitos “humanos” e, portanto, nenhuma humanidade. Ou, isto pode nos fazer compreender que os direitos criam a nossa “humanidade”, como um horizonte diminuto, que a humanidade está sempre por vir.

Duas características da norma universal: a sua contaminação por aquilo que pretende confrontar ou proteger. Em segundo lugar, a sua pretensão à universalidade chega rápido quando se transforma de uma idéia filosófica em algo que se aproxima de um fato no mundo. Ambas as tendências dominam a história do universalismo. Todas as normas universais estavam permeadas ou cooptadas e usadas ​​por formas desastrosas do poder e do conhecimento. O espírito do Cosmopolitismo estoico logo se tornou na lei romana imperial. A igualdade cristã transformou-se no Sacro Império Romano, adquirindo a missão e o proselitismo das conquistas. Os recentes iluminismo e racionalidade modernos se  deterioraram na “missão civilizadora” e no colonialismo. Hoje, os direitos humanos tornaram-se as armas ideológicas do capitalismo global no Sul e acompanha as formas políticas e culturais dos países do Norte (pós-democracia política limitada e biopolítica). Nesse sentido, todas as principais normas universais têm atuado historicamente como uma estratégia de classificação de “humanidade universal” para o humano completo, o menos humano e o desumano. Todo o cosmopolitismo se transformou em império e no imperialismo.

O caráter universal dos direitos humanos hoje diz respeito à construção e às formas de afirmação da existência corporal e de reconhecimento social. Direitos expressam e realizam a combinação da lei e do desejo, os corpos legalmente aceitáveis e identidades (no sentido mais amplo do direito).
Exceção. Exceto que há um direito à resistência e à revolução e isso seria para mim talvez a única norma universal real. São as posições mais próximas à vida e à liberdade na Declaração Francesa o que arma as milícias revolucionárias nos Estados Unidos. É a expressão do poder constituinte, uma vez que começa a mover sua eventual existência secreta em direção à constitucionalização.
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Os direitos naturais no século XVIII e os direitos humanos após a Segunda Guerra Mundial foram inventados para proteger as pessoas contra as opressões do poder e da dominação da riqueza. Eles podem ter sido cooptados para responder a projetos imperiais e disciplinar, mas, se eles nada querem dizer, eles ainda mantêm uma certa distância, mesmo que mínima, da realidade das relações sociais e dos direitos legais. O direito natural e seus descendentes entram na agenda histórica, direta e indiretamente, disfarçado como dever religioso, direito legal ou ideologia política, cada vez que a luta dos povos “para derrubar todas as relações em que o homem é um ser degradado, escravizado, abandonado ou desprezado”. Este foi o caso nas grandes revoluções do século XVIII, nas declarações “nunca novamente” do pós-guerra, em revoltas populares contra os regime fascistas e comunistas no final do século XX, na Tunísia, Egito, Líbia e no resto do Oriente Médio. Cada vez que os oprimidos, explorados e despossuídos invocá-los em suas lutas.

Contra a arrogância imperial e a ingenuidade cosmopolita, devemos insistir em que o capitalismo global neoliberal e dos direitos humanos-para-exportação são parte do mesmo projeto. Os dois devem ser desacoplados: direitos humanos podem contribuir pouco para a luta contra a exploração capitalista e a dominação política. A sua promoção por parte dos Estados ocidentais e humanitários os transformam em um paliativo: é útil para uma proteção limitada dos indivíduos, mas pode aliviar a resistência política.

Os capitalistas cosmopolitas prometem fazer-nos cidadãos do mundo sob uma soberania global e uma bem definida e acabada humanidade. Esta é a universalização da falta de mundo, o imperialismo e o empirismo que declina qualquer unviersalismo. Devemos permanecer vigilantes contra as filiações estóicas, romanas, religiosas e suas heranças patriarcais e coloniais. Mas não devemos desistir de universalizar o ímpeto do imaginário, do cosmos que arranca todas as polis, perturba toda filiação, contesta toda soberania e hegemonia. Temos de inventar ou descobrir na genealogia do cosmopolitismo qualquer coisa que vá além, e contra si mesmo, do princípio do seu excesso.

Na era da globalização sofremos de uma pobreza do mundo. Cada um de nós é um cosmos, mas nós já não temos um mundo, apenas uma série de situações desconectada. Todo mundo é um mundo, um ponto de amarração dos acontecimentos do passado às histórias, às pessoas e aos encontros, desejos e sonhos. Este é também um ponto de ekstasis, de abertura e afastamento, tornando-nos imortais na nossa mortalidade, simbolicamente finitos mas com imaginação infinita.
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A insatisfação com o estado, nação e internacional, advém de uma ontologia que rejeita a separação entre corpo e alma, a normatividade infinita e o declínio da corporeidade finita. O comum ou o cosmos do comunismo ou o cosmopolitismo por vir é o mundo de cada ser único, de quem quer que seja; a polis como a realização da igualdade radical. O que me liga hoje a um iraquiano, um palestino, um imigrante sem documento não é a adesão ao mundo, à nação, estado ou comunidade, mas um protesto contra a cidadania, contra a adesão à entidade comunitária ou política, um vínculo que não pode ser contido nos conceitos tradicionais de comunidade ou cosmos ou de polis ou estado.

O Direito, o princípio da polis, prescreve o que constitui uma ordem razoável por aceitar e validar algumas partes da vida coletiva, enquanto proíbe, exclui outros, tornando-os invisíveis. O Direito (e os direitos) vincula a linguagem com as coisas ou seres. Ele  nomeia o que existe e condena o resto para a invisibilidade e existência marginal. Por utro lado, o direito de resistir, o impulso de um desejo radical, o desejo do que não existe conforme à lei; para que confronte as catástrofes do passado e incorpore a promessa do futuro.
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O estar juntos de singularidades é construído aqui e agora, em atos de hospitalidade, nas locus de resistência. Mas há também a verdade e o evento redentor. Este evento reúne a polis justa e os princípios de resistência do cosmo já encarnado em nossas cidades atuais.

Projeto Revoluções - Se existem princípios universais que norteiam os direitos humanos, como eles podem induzir os governos e influenciar as instituições responsáveis ​​pela administração da justiça?

Devemos distinguir dois tipos distintos de justiça, ambos relacionados de forma complexa com aquilo a que chamamos “administração da justiça”. Primeiro, há a justiça prometida pelo direito positivo do Estado. Isto inclui uma série de direitos legais (como disse anteriormente, individuais, e direitos legais são os principais elementos constitutivos de um sistema jurídico moderno, liberal). Quando o sistema jurídico e os tribunais não cumprem o que prometem, então, temos um caso de injustiça imanente ou jurídica. Quando os direitos humanos são parte do sistema jurídico, então, a expectativa de que seus requisitos mínimos são respeitados se torna um aspecto da justiça legal. Devemos lembrar, contudo, que se os direitos são o resultado da legislação constitucional ou legal, ou das normas do direito internacional dos direitos humanos, tratados e convenções internacionais, e, em ambos os casos, é apenas a lei do estado, do Brasil ou na Inglaterra, que pode garantir a sua proteção mínima. Direitos existem em qualquer sentido real apenas no nível do direito interno. A humanidade não fornece quaisquer direitos e não tem exércitos, tribunais ou juízes, para protegê-los. Na verdade, quando alguém toma para si representar a humanidade inteira, como coloca Schmitt, “quer falsear”.

Mas, em segundo lugar, há uma justiça que não pertence e não pode ser normalmente encontrada na lei. Esta é uma justiça a que todo o sistema jurídico presta contas. Quando a lei é simplesmente a linguagem do poder, quando ela representa o equilíbrio de forças materiais e as assimetrias de poder político da lei (com ou sem direitos humanos) é em si injusta. Vamos chamar esta segunda a que transcende a lei e o estado ou justiça externa.
Essa segunda justiça externa talvez tenha sido o mais antigo objeto da filosofia e, nesse sentido, o maior fracasso do pensamento humano. Desde a Bíblia até a República de Platão, a Santo Agostinho e Tomás de Aquino, Rousseau, Kant, Marx e Rawls, a nossa tradição filosófica tem se esforçado para se familiarizar com a justiça, mas não conseguiu. Sabemos com certeza absoluta que estamos cercados pela injustiça, mas não sabemos onde a justiça se encontra. O sentimento de injustiça precede e motiva todos os protestos, rebeliões e revoluções, mas nenhuma teoria da justiça conheceu plenamente os requisitos da ação.

Injustiça iminente, violações legais de seus próprios princípios leva a atos de desobediência civil, muitas vezes individuais. Injustiça externa leva à ação de massa de resistência e mesmo à revolução. A administração dos negócios da justiça trata apenas do primeiro, o segundo é a vocação de todos e de ninguém.

Projeto Revoluções - Quais são suas principais referências teóricas para a construção de um pensamento ou uma filosofia dos direitos humanos?

Deixe-me começar explicando talvez alguns dos termos que muitas vezes causam confusão. “Humano” se refere à ética e à moralidade com a multiplicidade de abordagens, estratégias e responsabilidades que a ética carrega. De fato, se aceitarmos a crítica de Alasdair McIntyre, a modernidade nos levou a uma "catástrofe moral" com a destruição das comunidades de virtude e de valor e com a sua substituição pelo desejo individual transformado em moral e direitos. A moral da humanidade nesta tradição é uma moralidade superficial, baseada em direitos individuais e abandonando outras fontes de ação moral, como dever, empatia, cuidado ou amor. A moral e a ética devem ser examinadas por uma combinação de filosofia (moral) e sociologia ou etnografia.
"Direitos", por outro lado, são as instituições jurídicas. Eles têm uma história e ação diferente (às vezes próximas e convergentes com a ética e a moralidade e em outros coasos divergentes e conflitantes). Aqui abordagens doutrinárias e jurisprudenciais sócio-jurídicas estão ordenadas. Quando os direitos humanos são parte da lei, a lei contém um princípio de auto-transcendência, o que se contrapõe ao estado de permanência da lei. Um sistema legal que inclui os direitos humanos é, paradoxalmente, não igual a si mesmo.
Uma vez que abandonamos os excessos retóricos dos propagandistas do cosmopolitismo liberal e imperial, uma vez que, em outras palavras, começamos a pensar em vez de articular o banal, uma série de considerações determinam a nossa abordagem.

Primeiro, o poder ideológico dos direitos humanos reside principalmente na sua ambiguidade, a oscilação entre o real e o ideal, ser e dever-se, comunidade e humanidade. “Homem” é um “significante flutuante”, um termo sem qualquer significado estabelecido ou necessário, que pode ser conectado a qualquer número de significados, referências, campanhas e instituições. Aqui a semiótica é particularmente útil na compreensão do funcionamento, da proliferação e da multiplicação de direitos.

Em avançadas sociedades ocidentais, em segundo lugar, podemos ver que os direitos humanos têm se alterado, expandido e transformado com um toque vernacular cada aspecto da vida social. Eles são vistos como conceito-chave na moral, política, identidades coletivas e individuais. Reivindicar direitos se tornou a principal forma de moralidade. Virtude, responsabilidade e dever, por outro lado, tem sido confinada ao atraso religioso ou comunitário com conseqüências terríveis. Da mesma forma, o reconhecimento de direitos é o principal instrumento e alvo da política. Reivindicações de grupos e posicionamentos ideológicos, interesses setoriais e as campanhas mundiais são rotineiramente expressos na linguagem dos direitos para os indivíduos. Mas quando os direitos se tornam um “trunfo” que derrota políticas públicas e prioridades coletivas, claramente para apoiar a liberdade do indivíduo, a sociedade começa a quebrar-se em um conjunto de átomos indiferentes ao bem comum. Direitos se tornam o esteio e o terreno privilegiado em que a política é jogada. Entretanto, esta de política é despolitizada. A filosofia política radical, pós-marxismo e pós-estruturalista são as abordagens teóricas apropriadas que podem ajudar a compreender esta operação (a)política de direitos.

Como resultado, e em terceiro lugar, falar de direitos tornou-se uma maneira fácil e simples de descrever complexas situações históricas, sociais e políticas, um tipo de “mapeamento cognitivo” e o principal instrumento das políticas de identidade. Nas sociedades pós-modernas "Eu quero X” ou “X deve ser dado a mim" facilmente se transforma em "Eu tenho o direito de X”. Aqui, o elo do desejo à lei e à moralidade, tão característico de Hobbes, encontra a sua conclusão extrema. O reconhecimento da identidade hegeliano e a teoria psicanalítica são as teorias fundamentais nesta abordagem.

Tudo isso significa que o trabalho filosófico ou teórico sobre os direitos humanos só pode ser uma apresentação feita em camadas de diferentes abordagens disciplinares, escolas teóricas e estratégias sem síntese global. Percepções diferentes serão oferecidas pela história intelectual e política, filosofia especulativa, ontologia, filosofia política, psicologia, psicanálise, teoria social e política, doutrina e jurisprudência. Cada abordagem disciplinar é como a pele de uma cebola que conduz à seguinte e assim por diante. Não há nada no âmago da cebola, nem centro ou núcleo que dá aos direitos humanos a sua forma global, a segurança ou solidez semântica ontológica. Nenhuma teoria pode captar a multiplicidade de discursos, práticas, empreendimentos, eventos e lutas que estão usando do termo  “direitos humanos”. As várias peles, as camadas sucessivas, as abordagens díspares disciplinares são as várias perspectivas em matéria de direitos humanos; “direitos humanos” são nada mais do que as várias perspectivas sobre eles mesmos. O que os leva para fora deste relativismo cognitivo é a sua ligação com o eterno desejo humano de resistir à dominação e à opressão. Esta é a sua característica única e universal, que sobrevive à sua captura por forças (econômicas, políticas, culturais) contrárias à sua tendência inerente à resistência.

Fonte: Costas Douzinas, Março de 2011, publicado em http://revolucoes.org.br/v1/curso/costas-douzinas/entrevista-costas-douzinas

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