segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Brasil tem 'conceito infeliz' de que direitos humanos são 'para bandidos', diz coordenador da Anistia Internacional

Por Thiago Varella
Do UOL Notícias
Em São Paulo
 
Corrupção no serviço público. Violência em áreas rurais e contra povos indígenas. Grupos de parapoliciais e traficantes que dividem domínio de cidade. Todos esses casos tiveram exemplos ocorridos de forma sistemática no Brasil em 2008, segundo o Relatório Anual da Anistia Internacional (organização não governamental que luta por direitos humanos), divulgado nesta quinta-feira, em Londres (à 1h, horário de Brasília). Em entrevista ao UOL Notícias, o coordenador da Anistia Internacional para assuntos brasileiros, o britânico Tim Cahill, disse que "existe um conceito infeliz no Brasil que é que os direitos humanos só defendem bandidos".
 
Para Cahill, esse conceito de que só "bandidos" são beneficiados "é popularizado e utilizado por pessoas que têm interesse em mantê-lo". Com isso, várias ações governamentais no Brasil acabam sendo executadas para satisfazer àqueles que não acreditam nos direitos humanos.
 
"Isso ajuda na justificação de adotar políticas de comportamento repressivo, como as megaoperações no Rio de Janeiro ou a ideia de que os índios ameaçam os interesses econômicos do Mato Grosso do Sul", diz Cahill. "Se a população percebesse que se todos tivéssemos os direitos humanos garantidos, a economia e a segurança, por exemplo, seriam melhoradas", completa.
 
O relatório
Apesar de algumas mudanças nas disparidades sociais, resultado de projetos do governo e da expansão econômica, 2008 foi mais um ano em que as violações dos direitos humanos quase não receberam atenção no Brasil, de acordo com o Relatório Anual da Anistia.

Direitos humanos fazem parte da crise mundial

O mundo está caminhando sobre um rastilho "de desigualdade, injustiça e insegurança, a ponto de explodir", advertiu a Anistia Internacional, destacando que a crise não é apenas econômica, é também de direitos humanos.
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Até mesmo as mais de cem mortes e os 80 mil desabrigados com as chuvas de Santa Catarina são considerados casos de violação de direitos humanos pela Anistia Internacional. A reportagem do UOL Notícias voltou recentemente ao local e verificou que seis meses depois da tragédia os milhares de atingidos pelas enchentes ainda vivem sem casa e sem perspectiva.
 
Segundo Tim Cahill, a entidade coloca os direitos humanos em um conceito mais amplo. Para a Anistia, "se os direitos econômicos e sociais forem assegurados os direitos humanos também serão".
"Quem não recebe saúde ou educação está mais vulnerável aos abusos da polícia ou à tortura", diz Cahill. Além da falta de políticas específicas voltadas a melhorar a vida de comunidades carentes, Cahill destaca que a sociedade brasileira tem um conceito errado de direitos humanos.
Violência policial
No Rio de Janeiro, as milícias, formadas na maioria das vezes por policiais e os traficantes de drogas e que controlam cerca de 170 favelas, disputaram com traficantes de drogas o controle de diversas partes da cidade. A Anistia lembra que durante as eleições o Exército precisou ser destacado para garantir a segurança de candidatos em algumas localidades.
"As milícias são consequência da impunidade. As milícias, hoje, acabam ameaçando a vida dos moradores e a estrutura democrática do Estado já que estão elegendo até deputados estaduais", diz Tim Cahill.
 
Ainda na capital fluminense, o ano foi marcado por diversas incursões de policiais nas favelas, resultando na morte de várias pessoas. A Anistia diz que o número de homícidios na cidade diminuiu, mas as pessoas mortas pela polícia em casos registrados como "autos de resistência" representaram aproximadamente 15% do total de mortes violentas ocorridas entre janeiro e outubro de 2008.
 
Em São Paulo, também houve redução na quantidade de homicídios, mas o número de pessoas mortas por policiais militares, assim como no Rio, aumentou. De janeiro a setembro de 2008, a polícia paulista matou 353 pessoas.
 
Tim Cahill lembra a ocupação da favela de Paraisópolis pela polícia como forma de ação errada do governo contra o crime.
 
"A ocupação de Paraisópolis por 90 dias não trouxe elementos de Estado, não garante segurança em longo prazo. Eles não fazem planos com outros departamentos como saúde e educação. Essas medidas são pura publicidade. O governo quer mostrar que está fazendo alguma coisa", diz.
O governo do Estado de São Paulo divulgou na manhã desta quinta-feira (28) nota com resposta às críticas feita por Cahill. Leia a nota aqui.
 
No Nordeste a situação não é diferente. A Anistia cita um relatório da ONU que revela que o Ministério Público em Pernambuco estimou, em 2007, que cerca de 70% dos homicídios em Pernambuco são cometidos por esquadrões da morte.
Índios
Os povos indígenas continuaram a ser vítimas de assassinatos, violência, intimidações, discriminação, expulsões forçadas e outras violações de direitos humanos, segundo a Anistia Internacional.
 
Se a população percebesse que se todos tivéssemos os direitos humanos garantidos a economia e a segurança, por exemplo, seriam melhoradas
 Tim Cahill - coordenador da Anistia Internacional para assuntos brasileiros
A ONG lembra a luta dos índios da Reserva Raposa Serra do Sol em Roraima que lutaram contra arrozeiros pela demarcação da terra. Em 20 de março deste ano, o STF confirmou a homologação contínua da Raposa Serra do Sol e determinou a retirada dos não-indígenas da região.
Luta no campo
Para a Anistia Internacional, as expulsões forçadas no campo, na maioria das vezes praticadas por empresas de segurança privadas irregulares ou insuficientemente regularizadas, contratadas por proprietários de terras, e a tentativa de criminalizar os movimentos que apoiam as pessoas sem terra continuaram a ocorrer em 2008.
 
No Rio Grande do Sul, promotores e policiais militares montaram um dossiê com diversas alegações contra integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Milícias armadas ilegais continuaram a atacar trabalhadores sem terra no Paraná.

Números da "crise" segundo a Anistia Internacional

81 países...
...restringem a liberdade de expressão
 
78% das execuções...
...ocorreram em países do G-20
 
27 países...
...negaram asilo a pessoas que poderiam morrer se voltassem para casa
 
Em 47% dos países do G-20...
...pessoas passaram por julgamentos injustos

Já o Pará é considerado pela ONG como o Estado com os maiores números de ameaças e de homicídios de ativistas rurais.
 
A Anistia lembra que Vitalmiro Bastos de Moura, o Bida, foi absolvido, em maio do ano passado, da alegação de assassinato da freira Dorothy Stang em 2005. A freira defendia causas ambientais e trabalhadores sem-terra. Em abril deste ano a Justiça do Pará anulou o julgamento de 2008 e determinou a prisão preventiva de Vitalmiro Bastos de Moura.
Corrupção
 
A Anistia Internacional considera a corrupção no Brasil como uma forma de violação dos direitos humanos. O relatório anual cita casos como um esquema de desvio de verbas públicas do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para serviços contratados por Câmaras municipais.
 
Para Tim Cahill, o assunto pode ser considerado violência contra a população do país. "A corrupção é um elemento importante. Ela tira recursos do Estado que são requisitados para o investimento em desenvolvimento social", disse.
Melhoras
Apesar de não exemplificar no relatório, a Anistia destaca que o Brasil conquistou algumas vitórias no campo dos direitos humanos.
Tim Cahill cita como conquistas o início do debate pela lei da anistia e a CPI das milícias no Rio de Janeiro.
"Tivemos vitórias importantes que são consquências de lutas longas e perigosas. Há um reconhecimento, mesmo que pequeno, por parte do governo da importância dos direitos humanos", afirma.

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