Um
ano depois de o governo impor limites à compra de terras por empresas
brasileiras com capital estrangeiro, nenhum negócio desse tipo foi
registrado no Brasil. O fato teria uma explicação simples, na avaliação
da corregedora nacional de Justiça, ministra Eliana Calmon: "Os
estrangeiros não aparecem porque estão usando "laranjas", os
investimentos são clandestinos, via de interpostas pessoas".
A
cada três meses, os cartórios de registros de imóveis do País deveriam
repassar ao governo informações atualizadas sobre compra de terras por
empresas com capital estrangeiro. Registros considerados irregulares
podem ser anulados. O CNJ investiga denúncias, sobretudo em cartórios
localizados na fronteira agrícola do Brasil.
"Não
tenho nenhum problema em concordar com a ministra", reagiu a presidente
da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), senadora
Kátia Abreu (TO), sobre o suposto uso de "laranjas". Segundo a senadora,
negócios clandestinos, como contratos de gaveta, seriam uma resposta às
limitações impostas em 2010 pela Advocacia-Geral da União (AGU).
Na
ocasião, a AGU enquadrou empresas cujo controle acionário ou de gestão
esteja em mãos de estrangeiros nas mesmas restrições impostas a empresas
e pessoas físicas estrangeiras, impedidas de comprar ou arrendar mais
do que 50 módulos.
Nenhum município pode ter
mais de 25% em mãos de estrangeiros. Os negócios deveriam ser anotados
em livro específico para registro de imóveis rurais para estrangeiros e
comunicados ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
(Incra).
"Ficou impossível comprar terra, vai
ser uma tragédia", disse Kátia Abreu. Em ofício ao ministro Luiz Inácio
Adams, advogado-geral da União, a presidente da CNA alega que a
tentativa do governo de deter o avanço de estrangeiros põe em risco
investimentos de R$ 60 bilhões previstos até 2017, sobretudo no plantio
de florestas e na produção de papel e celulose, assim como no cultivo de
soja, milho e algodão e na produção de açúcar e etanol.
Sem
garantia. O ofício destaca ainda tradicionais financiadores do plantio
de soja, como as empresas Bunge e Cargill, que estariam impedidas de
aceitar as terras como garantia de financiamentos. Isso acaba
encarecendo o crédito ao produtor.
Os registros
oficiais da quantidade de terras em mãos de estrangeiros são
considerados subestimados pelo próprio Incra: cerca de 45 mil
quilômetros quadrados ou o equivalente a uma fatia de 20% do território
do Estado de São Paulo. Em 1994, o Estado publicou levantamento no qual
os estrangeiros já detinham o equivalente a quase 10% do território
brasileiro.
"Acham que sou exagerada, mas esse é
um caso de segurança nacional", diz a ministra Eliana Calmon. Segundo
ela, as denúncias a respeito da atuação dos cartórios se concentram em
área de avanço do agronegócio. "O trabalho do CNJ é enxugar gelo, as
quadrilhas estão por aí", avalia a ministra.
Quatro
equipes da corregedoria foram a campo, mas detalhes das investigações
são mantidos em sigilo. Durante as inspeções, foram encontrados livros
de registros aos pedaços. Em Altamira, município do Pará, os livros são
chamados de "dengosos", tamanha a habilidade exigida de quem os
manuseia, relata a ministra. Ela está responsabilizando os Tribunais de
Justiça, que têm a tarefa de fiscalizar os cartórios. A ministra Eliane
Calmon acredita que a desordem dos cartórios de imóveis facilita as
irregularidades. "Isso é feito propositalmente, tenho certeza", disse.
Procurada
pelo Estado, a Associação dos Notários Registradores do Brasil (Anoreg)
não se manifestou até o fechamento desta edição.
CERCO FECHADO
Limites
Enquanto
o governo elabora projeto de lei com mais restrições à compra de terras
por estrangeiros, a Advocacia-Geral da União (AGU) se antecipa e
enquadra, em agosto de 2010, empresas brasileiras de capital estrangeiro
nas limitações impostas a estrangeiros, proibidos de comprar mais de 50
módulos de terras ou mais de 25% da área de determinado município.
Notificação
Em
julho do ano passado, a Corregedoria Nacional de Justiça havia
determinado que os cartórios de notas e registros de imóveis repassassem
informações sobre esse tipo de negócio a cada três meses ao Incra. Por
ora, nenhum registro foi comunicado.
Reação
Em
março de 2011, o Palácio do Planalto identifica que estrangeiros
burlavam as restrições. A AGU bloqueia novos negócios nas juntas
comerciais, por meio de aviso ao Ministério do Desenvolvimento.
Investidores estrangeiros, com o apoio da CNA, reagem às restrições.
Fonte: Estadão
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