POR BRUNO QUEIROZ MATHIAS
A jurisprudência dos tribunais federais tem caminhado no sentido de não julgar determinados litígios que envolvam a análise da constitucionalidade de dispositivos normativos, sob o fundamento do respeito ao princípio de reserva de plenário estampado no artigo 97 da Constituição Federal. Entretanto, será que referido dispositivo está sendo interpretado e aplicado de forma correta?
Primeiramente, importante se faz a análise acerca do controle de constitucionalidade existente no ordenamento jurídico pátrio e, em especial, sobre as suas espécies: (a) controle concentrado e (b) controle difuso.
No controle concentrado de constitucionalidade a análise feita pelo órgão competente se realiza de forma abstrata, sendo o STF o único órgão competente para essa função.
Não há, pois, um direito subjetivo tutelado, razão pela qual os atores da relação processual não atuam como litigantes. Aqui, a “impugnação da constitucionalidade do comportamento do poder público é feita independentemente de qualquer litígio concreto[1]”.
Trata-se de um processo objetivo. “No debate posto na ação direta de declaração de inconstitucionalidade
não há caso concreto a ser solucionado[2]”.Aqui existe a figura do requerente, mas não do requerido. O proponente da ação não tutela um direito seu, mas atua com o fito de preservar a Constituição Federal.
Já o controle difuso de constitucionalidade, em contrapartida, é realizado por todo e qualquer juiz que, diante de um caso concreto, ou seja, em uma relação processual determinada, faz a análise da constitucionalidade ou inconstitucionalidade de uma determinada norma
Diferentemente do que ocorre no controle concentrado, aqui há uma relação processual subjetiva. O controle de constitucionalidade, nesta hipótese, ocorre de forma incidental, como uma questão prévia ao julgamento de mérito, podendo ser realizado por qualquer juiz ou tribunal.
Por tratar-se de uma questão prejudicial, a ação em que se exerce o controle difuso de constitucionalidade “não pode visar diretamente ao ato inconstitucional, limitando-se a referir à inconstitucionalidade do ato apenas como fundamento ou causa de pedir, e não como o próprio pedido[3]”.
No controle difuso existem as figuras do autor e réu, bem como também uma lide a ser resolvida pelo Estado-juiz. A controvérsia constitucional surge como uma questão prejudicial de mérito da pretensão deduzida em juízo. Neste palco não há declaração de inconstitucionalidade, mas tão-somente o afastamento dos efeitos de uma norma tida por inconstitucional para um determinado caso concreto (aqui a decisão judicial atua no plano da eficácia da norma).
É no controle concentrado que ocorre efetivamente a declaração de inconstitucionalidade de uma determinada norma, visto que aqui tal declaração, diferentemente do que ocorre no controle difuso, opera com efeito erga omnes e força vinculante.
Diante desse quadro, cabe agora a análise do artigo 97 da Constituição Federal,verbis: Art. 97. Somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público.
Ao se analisar o sobredito dispositivo, percebe-se que o constituinte não fez, ao menos de forma aparente, qualquer restrição quanto ao tipo de controle de constitucionalidade (difuso ou concentrado) ao qual o artigo 97 se refere. Tal fato, por seu turno, poderia levar à falsa conclusão de que a reserva de plenário seria cabível para qualquer um dos citados modelos.
Acontece que, ao se proceder uma interpretação sistemática[4] do modelo de controle de constitucionalidade adotado pelo sistema jurídico nacional, logo se chega a conclusão de que essa não é a melhor interpretação a ser dada para a referida regra.
A análise do citado dispositivo leva a crer que quando o constituinte restringiu a declaração de inconstitucionalidade à reserva de plenário o fez apenas para o controle concentrado[5].
Isso porque declarar inconstitucionalidade, nos termos em que prescrito no artigo 97 da Magna Lex, é atacar a sua validade, retirando a norma do sistema jurídico, o que se dá apenas no controle concentrado, cujas decisões são dotadas de efeito erga omnes e força vinculante.
Sob outra perspectiva da problemática aqui posta, insta mais uma vez sublinhar que no controle difuso não há declaração de inconstitucionalidade, mas apenas o afastamento de uma norma tida por inconstitucional para o caso em concreto. A solução é restrita para as partes litigantes e a solução judicial atinge o plano da eficácia das normas e não a sua validade (o que ocorre no controle concentrado).
Em síntese, o que se almeja demonstrar é que exercendo essa função (controle difuso de constitucionalidade), o tribunal não estará declarando a inconstitucionalidade de uma lei, uma vez que, nesse caso específico, aplica-se o princípio de reserva de plenário previsto no artigo 97 da Constituição Federal.
Na hipótese aqui narrada, o juízo, analisando a questão, apenas deixa de aplicá-la por sentir que é inconstitucional àquele caso específico que está julgando. Entretanto, essa norma continuará tendo validade e aplicabilidade com relação a terceiros. Não há, portanto, declaração de inconstitucionalidade nessa hipótese, a qual é típica do controle concentrado de constitucionalidade.
Tratando do tema, Alexandre de Moraes, em sua obra “Direito Constitucional”, 13ª Edição, São Paulo: Atlas, 2003, na página 587, ensina: “Na via de exceção, a pronúncia do judiciário, sobre a inconstitucionalidade, não é feita enquanto manifestação sobre o objeto principal da lide, mas sim sobre questão prévia, indispensável sobre o julgamento do mérito”.
Fica demonstrado que qualquer juiz ou tribunal poderá, no julgamento de um litígio, analisar a constitucionalidade de uma lei ou ato normativo, desde que a fazendo de maneira incidental e como condição necessária para solução da lide, não sendo, pois, esse o objetivo principal da ação.
Seria totalmente irracional e contrária à lógica jurídica a aplicação do artigo 97 da CF/88 de forma estrita, sem interpretá-lo sob a ótica do ordenamento jurídico pátrio, permitindo-se assim, de forma absurda, ao juiz de primeiro grau exercer o controle de constitucionalidade difuso e proibindo tal prática aos magistrados de segundo grau. Seria o mesmo que dizer: o juiz a quo tem mais jurisdição que o juiz ad quem!
Feitas essas considerações, é clarividente, com a devida vênia, que deixar de julgar um litígio sob a alegação de que a questão é constitucional, os Egrégios Tribunais estarão agindo de forma contrária ao modelo de controle de constitucionalidade repressivo adotado pelo Brasil, mas especificamente em sua modalidade de controle difuso.
Exercendo o controle difuso de constitucionalidade, os Tribunais estarão aplicando o princípio da causalidade e agindo de acordo com a Carta Maior, uma vez que não estarão declarando a inconstitucionalidade de determinada lei em inobservância ao princípio da reserva de plenário consubstanciado no artigo 97 da CF/88, bem como estarão solucionando o conflito de forma justa!
Fonte: Consultor Jurídico
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